• © Pedro Medeiros, Quinta da Graça, Vale do Jamor, 2021

  • © Pedro Medeiros, Quinta do Balteiro, Vale do Jamor, 2021

Vale do Jamor

Artigo por
Ana F. Guardião e Miguel Bandeira Jerónimo

Vale do Jamor

A partir de 1975, na sequência de guerras colonias duradouras, o desenrolar de conflitos internos em Angola, Timor e Moçambique e as crises económicas e sociais em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné Bissau, levaram cerca de 500.000 pessoas a deixar as antigas colónias portuguesas. Nesse conjunto contavam-se mais de 21.000 pessoas que chegaram entre Novembro de 1976 e Julho de 1977, desprovidas de um estatuto que permitisse identificar, e fixar, a sua condição. O destino de muitos destes refugiados, sem direito à cidadania portuguesa outrora outorgada na Constituição de 1951, foi o Centro de Acolhimento do Vale do Jamor (CAC), dirigido pela Cruz Vermelha Portuguesa (em parceria com o Instituo de Apoio ao Retorno de Nacionais). Este visava responder a uma situação de emergência humanitária sem precedentes. Apesar do apoio internacional, a operação pautou-se pela falta de meios materiais e humanos, numa conjuntura de instabilidade política e financeira que permeava a sociedade portuguesa, conduzindo, de variadas formas, a uma situação de paupérie crescente.
Neste e noutros espaços, a indefinição de estatutos – cidadania portuguesa, migrante ou refugiado – agravou a situação de miséria social e psicológica a que estes seres humanos estavam sujeitos. Desprovidos de meios ou apoio familiar, os refugiados sobreviveram no CAC por anos: muitos até ao seu desmantelamento, em 1981, outros até 1990 aquando da saída das últimas famílias. Relatos de equipas de inspeção e recenseamento, bem como reportagens de imprensa, reportavam as condições miseráveis que enfrentavam. Registos de “desaparecimentos” eram também comuns, nomeadamente na transição para outros espaços, como a Fortaleza de Peniche, onde cerca de 500 refugiados foram amontoados em celas destinadas, durante o Estado Novo, a presos políticos. Neste período, enquanto as condições habitacionais de muitos portugueses melhoraram, em parte fruto de múltiplos modos de protesto e associação, refugiados e migrantes das antigas colónias permanecerem à margem da sociedade, como consequência de uma “integração” caracterizada por inúmeras insuficiências e dificuldades. Reflectir e debater sobre estas histórias e sobre os persistentes problemas a elas associados, mais do que necessário, é fundamental. De outro modo, a construção de sociedades (mais) inclusivas e democráticas fica empobrecida, menos viável. Quem passa no Vale do Jamor não é confrontado com nenhum sinal que indique o significado pessoal e colectivo, certamente marcante e doloroso, que alguns dos seus espaços representaram para centenas de pessoas em fuga da miséria e da violência, em busca de muito mais do que uma barraca ou um pré-fabricado, um gesto temporário e frugal de assistência e generosidade, uma promessa política ou um documento legal. Talvez fosse importante dar esse sinal. O Vale do Jamor foi “reabilitado”, mas os efeitos prolongados do que em tempos foi não foram substancialmente atenuados.

Galeria

  • © Pedro Medeiros, Quinta da Graça, Vale do Jamor, 2021

  • © Pedro Medeiros, Vale do Jamor, 2021

  • © Pedro Medeiros, Quinta da Graça, Vale do Jamor, 2021

  • © Pedro Medeiros, Quinta do Balteiro, Vale do Jamor, 2021

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