• © Pedro Medeiros, Rua Viriato Cruz, 2021

Rua Viriato Cruz

Artigo por
José Pedro Monteiro

Rua Viriato Cruz

Como tem sido sobejamente apontado, além da estatuária, pinturas, monumentos, também a toponímia do Portugal contemporâneo tem inscrita a marca do desejo de exaltação do multissecular projecto imperial português, sinalizando “heróis” e “conquistas”, muitas vezes apagando as suas histórias. Exploradores, navegadores, militares, governadores que deixaram marca na história (mais ou menos oficial) do domínio ultramarino português têm o seu nome imortalizado em várias cidades portuguesas, com variável grau de reconhecimento por parte dos que nelas habitam ou por elas passam: nas ruas, em praças, em largos, até em instituições. Menos comum é a tendência para registar para a posteridade aqueles que, de algum modo, combateram os desígnios portugueses de domínio de outros territórios e das suas populações. Viriato da Cruz, poeta, intelectual, dirigente político angolano é uma dessas raras excepções, ainda que numa rua pouco conhecida, na zona suburbana da grande área de Lisboa. Neste texto procura-se recuperar, e sinalizar, a importância de figuras como Viriato da Cruz para uma escrita plural do que foi a história do império e das várias sociedades que lhe sucederam, da própria história portuguesa se entendida de forma inclusiva, democrática e livre de um desígnio nacionalista e confrontando os seus ecos imperiais e coloniais. Isto é, de uma história, dobrada em memória popularizada, do que foi o passado português que não se prenda a um cálculo mais ou menos instrumental que apenas inclui aquilo que supostamente valorizou a “nação”. A partir da figura de Viriato da Cruz, como aqui se procurará demonstrar, de resto, poder-se-á perceber melhor os conflitos, diferendos, rivalidades e ambiguidades que marcaram a(s) história(s) da descolonização portuguesa e dos seus imediatos futuros pós-coloniais. Trata-se, aqui, também, de integrar na “história portuguesa” aqueles que contrariaram os desígnios de unificação e glorificação nacional que, por dissidentes, não foram menos actores de pleno direito dessa história, constituindo referências para muitos portugueses e portuguesas, hoje, mas também para aqueles que foram portugueses, de jure, e hoje não o são, e muitos que, sendo hoje portugueses, de facto, por variadas e repetidas vezes, não são tratados como tal.

Galeria

  • © Pedro Medeiros, Rua Viriato Cruz, 2021

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