Sala Marnoco e Sousa
Artigo por
Diogo Ramada Curto
Sala Marnoco e Sousa
Fotografia e sala dedicada a José Ferreira Marnoco e Sousa (1869-1916), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, servem de pretexto para a evocação individualizada do jurista que ensinou na instituição durante cerca de 18 anos. O percurso de Marnoco acompanhou os esforços de preservação do monopólio da Faculdade sobre várias matérias e especialidades, incluindo as relacionadas com os processos de burocratização do Estado-império português, num vasto conjunto de disciplinas, desde o Direito Público ou Constitucional, à Teoria Económica e Financeira, à História do Direito, das Instituições e do Capitalismo, ao Direito Colonial, articulando, de forma paradigmática, o krausismo com uma relativa abertura às ciências sociais. Foi o primeiro professor da cadeira de Administração Colonial na Faculdade (1905-1907 e 1910-1912), nomeadamente no recente criado Curso Colonial, destinado, sobretudo, a oficiais do império. No seu manual sobre a administração colonial, esta era concebida como “a acção que o Estado desenvolve na colonização”, sendo que “o conjunto metódico de princípios e teorias relativos a esta acção constitui a ciência da administração colonial”. Era esta a concepção científica que o autor pretendia introduzir no estudo, mas também na actividade institucional do Estado. Bebendo da circulação de saberes internacionais e coloniais, por exemplo, acerca do tratamento que deveria ser dado às “raças indígenas” e dos diferentes regimes de governança colonial, no manual o autor discorre sobre as grandes linhas da política colonial, com base no papel da intervenção do Estado, a economia e a administração colonial propriamente dita.
A análise das lições de Marnoco, que perduraram durante o Estado Novo, por exemplo através do seu discípulo Rui Enes Ulrich, permite um conjunto de conclusões. Primeiro, o facto de o manual em causa conter em si as marcas de uma luta pela imposição de sistemas de conhecimento e de regulação, que envolveram formações e especialistas muito diversificados. Depois, que o campo de experimentação dos saberes coloniais também correspondeu a uma espécie de explosão das “questões coloniais”, como argumento de disputas mais gerais entre regimes e posições políticas muito diversos, até antagónicos, na esfera internacional. Finalmente, a circulação de saberes internacionais, permitiu ainda o surgimento, ao lado das questões coloniais, de questões sociais, nomeadamente aquelas referentes às classes trabalhadoras, nas quais tanto Marnoco e Sousa como Ulrich tomaram partido de grupos de interesse económico nas colónias. Entre outros aspectos, o percurso de Marnoco e a sua obra revelam dados importantes para compreender a institucionalização dos saberes coloniais em Portugal e a sua relação com as formas de governação imperial no século XX.
Galeria
0