• © Pedro Medeiros, Monumento ao Marquez de Sá da Bandeira, ECHOES, 2021

Monumento a Sá da Bandeira

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Estátua Marquês de Sá da Bandeira

A estátua que procura imortalizar o Marquês de Sá da Bandeira, localizada na praça D. Luís I, em Lisboa, monumentaliza não apenas esta personalidade histórica, mas um processo longo e conturbado, o da abolição do tráfico de escravos e da escravatura no império português. Sá da Bandeira assumiu-se como figura cimeira nos vários momentos legislativos que levaram, gradual e atribuladamente, à ilegalização da possibilidade de um ser humano ser constituído em propriedade de outrem em qualquer parcela do território português de então, especialmente nas colónias africanas. Trata-se de uma história diversa, multifacetada, e de feição marcadamente global. As dinâmicas do abolicionismo não podem, por isso, ser compreendidas sem se atentar nos debates, ideias, pressões e ameaças diplomáticas que chegavam de além das fronteiras do império. A mesma estátua que celebra Sá da Bandeira, contudo, ao contrário de muitas outras, coloca-o numa posição relacional. De forma subordinada, no sopé da estátua a chamada “Preta Fernanda”, procurando representar o continente africano, aponta ao seu filho o ilustre marquês que, na leitura da época, os teria salvado da opressão e graciosamente lhes dado a liberdade. Nos últimos anos, um pouco por todo o mundo, formas de representação simultaneamente paternalistas e marcadas por um claro viés de tonalidades racistas ou pelo menos preconceituosas, têm sido contestadas e questionadas. Procura-se recuperar, nalguns sítios há já algumas décadas, aquilo que era a volição e a dignidade dos seres humanos que foram racializados, no fundo, o seu lugar de direito na história, na memória. Este é um processo cujos efeitos se fazem sentir na forma de ler e evocar as diferentes histórias nacionais e imperiais, mas cujos potenciais impactos fazem-se sentir também nos debates contemporâneos sobre a desigualdade, a discriminação e o racismo. Como tal, estes têm ou pelo menos devem evitar cair em formas de pensar historicamente falhas de rigor e ponderação, substituindo uma hagiografia por outra, de sinal contrário. É isso que pede uma saudável leitura da história e a possibilidade de construir um tempo por vir que substitua formas de obliteração ou esquecimento por um engajamento sem pruridos com o passado e os seus legados, bem presentes, ainda.

Galeria

  • © Pedro Medeiros, Monumento ao Marquez de Sá da Bandeira, ECHOES, 2021

  • © Pedro Medeiros, Monumento ao Marquez de Sá da Bandeira, ECHOES, 2021

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