• © Pedro Medeiros, Convento do Carmo, 2021

Quartel do Carmo/Avenida da Liberdade

Artigo por
Ana Guardião

Quartel do Carmo – Avenida da Liberdade

Lugares de memória reconhecidos, o Quartel do Carmo e a Avenida da Liberdade representam, espacial e simbolicamente, na cidade de Lisboa, mas também em Portugal, a instauração do actual regime democrático, pela sua associação à revolução de 25 de Abril de 1974. O Quartel do Carmo por ter sido o palco da destituição dos mais altos dignitários do poder autoritário do Estado Novo. A Avenida da Liberdade, pela sua denominação toponímica, tornou-se, desde então, espaço de celebração da data e dos seus vários e importantes significados. A associação da Avenida ao 25 de Abril, como espaço de reivindicação e mobilização civil anual, de reafirmação dos valores de Abril e da sua cristalização na memória colectiva, suscitou, inclusive, uma transformação das percepções associadas à história do seu nome, que, datando de 1886, evocava anteriomente a restauração da independência portuguesa face a Castela (1640).
As (re)configurações da(s) memória(s) histórica(s), nas suas manifestações simbólicas e patrimoniais, também carregam elementos de dissociação de realidades históricas complexas. Disso são exemplos significativos os processos que culminaram na queda do regime autoritário em Abril de 1974, bem como aqueles que lhe sucederam. Se atentarmos aos objectivos do Movimento das Forças Armadas (“Descolonizar, Democratizar e Desenvolver”), estes remetem tanto para projectos futuros, como para as dinâmicas de um passado autoritário, colonial, violento. Talvez porque dado como fait accompli, o objectivo “Descolonizar” tem perdido, ao longo do tempo, a sua relevância na memorável tríade. A guerra colonial e os seus legados imediatos, menos discutidos e problematizados, continuaram presentes nas colónias, de múltiplas formas. Neste texto, identificamos alguns destes processos, relacionados com a desmobilização dos soldados, as situações dos presos políticos, conflitos raciais e movimentos populacionais, por forma a abordar o hiato entre o 25 de Abril e as descolonizações a partir destes espaços.
As diversas questões aqui assinaladas (entre muitas outras por tratar) reflectem as múltiplas formas pelas quais a descolonização portuguesa se pautou por processos vários, conflituantes, alguns de carácter violento, resistentes a “excepcionalismos” ou modos “exemplares” de acção institucional. Os ecos do(s) colonialismo(s) e do(s) seu(s) legado(s) estão presentes por toda a parte, em espaços como o Quartel do Carmo ou a Avenida da Liberdade, nas ruas, em instituições, em museus, nas relações laborais, sociais ou interpessoais em Lisboa, como no resto de Portugal. A (re)interrogação dos espaços patrimoniais na cidade de Lisboa a partir deles é importante. Devolver a “Descolonização” à tríade do movimento que fez Abril é, também, um processo de construção de uma sociedade mais democrática e inclusiva.

Galeria

  • © Pedro Medeiros, Avenida da Liberdade, 2021

  • © Pedro Medeiros, Avenida da Liberdade, 2021

  • © Pedro Medeiros, Convento do Carmo, 2021

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