• © Pedro Medeiros, Estátua de Padre António Vieira, ECHOES, 2021

Estátua Padre António Vieira

Artigo por
Giuseppina Raggi e Cristiano Gianolla

Estátua Padre António Vieira

A estátua do jesuíta padre António Vieira (Lisboa, 1608 – Salvador, 1697) está localizada no Largo Trindade Coelho na zona do Bairro Alto de Lisboa. Foi colocada em frente à igreja de São Roque por ser o antigo terreiro da Casa professa dos Jesuítas em Portugal, onde, entre os séculos XVI-XVIII, se formaram os religiosos enviados para a missionação nos territórios coloniais portugueses. Da autoria de Marco Telmo Areias Fidalgo, vencedor do concurso público destinado à sua elaboração, a estátua foi inaugurada em 22 de junho de 2017, a sua iconografia deriva de uma gravura publicada em 1746 na biografia encomiástica de padre António Vieira. O escultor manteve o detalhe da mão apoiada no ombro de um dos dois nativos ajoelhados, e, em lugar de adultos, optou por modelar três meninos ameríndios em torno do jesuíta. Fica patente a desproporção entre os corpos das crianças nativas e o padre jesuíta, que sobressai numa atitude protetora e dominadora, ao mesmo tempo. No embasamento da estátua, António Vieira é definido, também, como “defensor dos índios e dos direitos humanos”.
A obra polarizou ações antagónicas de revindicação política. A 5 de Outubro 2017, dia da Implantação da República, associações de afrodescendentes manifestaram-se, com flores e velas aos pés da estátua, para recordar a opressão dos povos nativos, causadas pelo colonialismo e pela evangelização portuguesa, e a justificação da escravização das pessoas africanas oferecida pelo jesuíta. No mesmo dia, ao redor da estátua, juntaram-se também associações neofascistas para celebrar e defender o passado colonial da “nação portuguesa”. Na noite do 11 de junho de 2020, em solidariedade com o movimento BLM, o monumento foi pichado de vermelho. Nos peitos das três crianças foram desenhados corações e palavra «desco / loniza», pichada no embasamento, apelando à reconsideração da forma de narrar a história colonial de Portugal. A possibilidade da estátua de padre António Vieira se tornar alvo de contestação era expectável, pois a sua iconografia não pretende problematizar o legado colonial duma figura importante e controversa, antes pelo contrário, replica de forma contundente o imaginário colonial. Por isto neste caso, a arte e o património tornaram-se motivo de conflito, em lugar de instrumentos privilegiados de diálogo social plural e transformação criativa do espaço público.

Galeria

  • © Pedro Medeiros, Estátua de Padre António Vieira, ECHOES, 2021

  • © Pedro Medeiros, Estátua de Padre António Vieira, ECHOES, 2021

0