Museu Nacional de Arte Contemporânea

Artigo por
Teresa Matos Pereira

A memória em disputa: arte, estética e ideologia

A complexidade dos diálogos entre a obra de arte com outras obras (do mesmo artista, artistas diferentes, contemporâneas ou posteriores) com o espaço físico (e simbólico) que ocupa remete para diferentes regimes de visualidade e receção. No cruzamento entre a intencionalidade mais ou menos explícita do artista, a perceção do observador, o discurso crítico e histórico, esta poderá inscrever-se num território de disputa da memória, no qual são interpeladas modalidades estético-formais e discursivas, espaços de visibilidade e legitimação, afirmação de valores (estéticos, ideológicos, políticos, sociais, culturais), intersetando diferentes temporalidades, arte, estética e poder.
Considerando a pintura de Miguel Ângelo Lupi, Os Pretos de Serpa Pinto (c. 1879), pertencente à coleção do Museu de Arte Contemporânea/Museu do Chiado, poderemos indagar acerca do regime de visualidade em que se inscreve, dos diálogos que estabelece com outras obras, com o espaço do museu, o território onde se situa mas também, em sentido amplo, com discursos dominantes e contra hegemónicos.
Obra singular no percurso do pintor, Os Pretos de Serpa Pinto, firmou-se num regime visual de poder, baseado no primado do olhar e na invenção do “outro” que contribuiu para consolidar um imaginário colonial, fundir numa peça diferença e inferioridade e entrelaçar os domínios da visualidade, da enunciação e do controlo. Dialogando em primeiro lugar com o caderno de desenhos realizados em Luanda pelo pintor entre 1851 e 1853, a pintura evoca igualmente um feixe de ligações com uma colonialidade que impregna várias dimensões da vivência social e cultural (individual e coletiva), desde a linguagem ao próprio espaço urbano. Neste caso é de recordar a toponímia junto ao Museu, associada às figuras de Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens e Vítor Cordon, a existência de obras de arte pública como a estátua do Padre António Vieira ou o Memorial de Homenagem às Vítimas da Escravatura.

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