• © Pedro Medeiros, Sociedade de Geografia de Lisboa, 2021

Sociedade de Geografia de Lisboa

Artigo por
Miguel Bandeira Jerónimo

Sociedade de Geografia de Lisboa

Criada a 10 de Dezembro de 1875, e ainda hoje existente, a Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL) é uma das organizações mais frequentemente associada à formulação, institucionalização e disseminação de um pensamento colonial em Portugal e no império. Sem nos atermos nela, a compreensão das escolhas políticas relacionadas com a construção e manutenção de um “novo” projecto imperial desde finais do século XIX seria mais difícil, e débil. A Sociedade constitui um caso de estudo muito importante para quaisquer esforços de reflexão sobre as reverberações contemporâneas da história colonial do país.
As sedes da Sociedade em Lisboa mudaram, mas a sua centralidade nos debates sobre as questões coloniais manteve-se. Ao longo de várias décadas, no interior da Sociedade e em seu redor, circularam numerosas vozes, argumentos e propostas de acção política sobre as realidades coloniais. Entre outros aspectos, ali se aperfeiçoaram justificações ideológicas, diplomáticas, patrióticas, “civilizacionais” ou ecuménicas para várias escolhas feitas pelos governos portugueses (ou por indivíduos e instituições sob sua protecção). A ação da SGL esteve associada a inúmeras actividades que contribuíram para o enraizamento, e predomínio, de uma forma saliente e duradoura de “nacionalismo imperial” em Portugal, que condicionou um conjunto significativo de opções e estratégias (geo)políticas e económicas seguido pelas elites governantes do país, e do império, até à descolonização. Em certo sentido, podemos argumentar que variações desse nacionalismo imperial persistem até hoje, fora e dentro da academia, fora e dentro da Sociedade de Geografia de Lisboa.
Na SGL promoveram-se e financiaram-se viagens de “exploração” e expedições “científicas”. Elaboraram-se “memórias” e argumentários em defesa dos “direitos históricos” de Portugal, contra putativas “espoliações” e maquinações perpetradas por agentes diversos. Definiram-se (e redefiniram-se) jurisdições religiosas e políticas: imaginaram-se Padroados quase sem limites, no Oriente e em África, e imprimiram-se “mapas cor-de-rosa”, unindo as costas ocidentais e orientais em África. Clamou-se pela “honra” do país, pela história “grandiosa” e pela memória dos seus “heróis”. Coligiram-se e publicaram-se estudos que procuravam consubstanciar tais reivindicações. Pressionavam-se os poderes políticos, agitava-se a esfera pública, promoviam-se interesses específicos associados aos projectos coloniais. A SGL tornou-se também um arquivo e um museu, ao mesmo tempo que foi formando uma relevante biblioteca. Formaram-se relevantes colecções – de arte, etnográficas, numismáticas, científicas – sobre os mundos coloniais (mas não só), ainda a precisar de uma profunda apreciação crítica, tendo em conta as condições históricas da sua constituição e a sua relevância contemporânea. A SGL foi um dos actores fundamentais da propaganda imperial e colonial que atravessou diversos regimes políticos, da monarquia constitucional (1834-1910) ao Estado Novo (1933-1974), passando pela República (1910-1926), fosse através de recepções solenes, numerosas homenagens, comemorações, elogios fúnebres e até projectos de monumentalização dos heróis dos “descobrimentos” ou da colonização, entre outros aspectos.
Reflectir sobre os passados e os presentes coloniais da cidade de Lisboa, e de Portugal, implica, necessariamente, pensar de modo crítico no papel desempenhado pela Sociedade de Geografia de Lisboa.

Galeria

  • © Pedro Medeiros, Sociedade de Geografia de Lisboa, 2021

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